Evento realizado em Brasília pelos jornais Valor, “O Globo” e pela CBN analisa a importância dos Juros sobre Capital Próprio para os negócios
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Os Juros sobre Capital Próprio (JCP), uma das formas de as empresas distribuírem lucros, devem ser revistos, se necessário, e corrigidos, se utilizados como instrumento de planejamento tributário abusivo, mas não eliminados, segundo o consultor e ex-secretário da Receita Federal Everardo Maciel, que participou da criação do instrumento no Brasil. “Ao cogitar eliminar [o JCP], o Brasil estaria perdendo uma posição que assumiu a vanguarda no mundo”, afirma, lembrando que em maio de 2021 a União Europeia orientou a adoção de mecanismo similar ao JCP.
As afirmações do consultor e ex-secretário da Receita foram feitas no seminário “A importância do JCP para os negócios no Brasil”, realizado pelos jornais Valor, “O Globo” e pela CBN, terça-feira, em Brasília. Segundo Maciel, com o fim do JCP o Brasil perderia a arrecadação e pioraria o perfil de endividamento das empresas.
JCP são os juros com os quais as empresas remuneram seus sócios por terem investido capital. É como se o dinheiro aplicado na companhia fosse um empréstimo. O acionista que recebe os valores tem desconto de imposto, na fonte, de 15%. Já para a empresa que distribui, o valor é considerado despesa e é deduzido da base de cálculo do Imposto de Renda e da CSLL.
A ideia de extinguir o JCP ganhou força em 2023 pelo interesse do governo federal em aumentar a arrecadação. O Executivo, porém, alterou a proposta e o plano é que o mecanismo não seja extinto — pelo menos por enquanto. A expectativa é que nesta quarta-feira seja apresentado parecer da medida provisória (MP) das subvenções a investimentos, com mudanças no mecanismo do JCP, porém mais tímidas do que inicialmente almejado pelo governo — para aprovar o texto da MP ainda em 2023 o Executivo acabou abrindo mão da intenção de elevar a tributação sobre os valores distribuídos e limitar o uso do JCP .
Para o deputado federal Pedro Paulo (PSD- RJ), o ajuste que está sendo colocado no JCP, incluindo a tentativa de reduzir o planejamento tributário abusivo, seria adequado para calibrar o instrumento. O deputado acredita que a MP das subvenções será aprovada.
“O instituto do JCP precisa e pode ser aprimorado e tendo em vista as boas práticas que vemos no mundo desenvolvido. Mas os ajustes que podem ser incluídos na MP são bem vindos”, afirmou o deputado, no evento, destacando que o texto é mais específico em alguns pontos, tentando justamente evitar o abuso do planejamento tributário. “São medidas que corrigem e melhoram o instrumento, ainda que sejam um ‘contrabandinho’ numa MP”.
“Acredito que não pararão as iniciativas no governo e no Congresso de aumentar a carga tributária”, diz o deputado federal, lembrando que o governo buscou uma forma de equilíbrio nas suas contas muito ancorada nas receitas.O deputado, que é da base do governo, diz ser do grupo que considera esse um equilíbrio frágil, com o pilar apenas na arrecadação e a visão de que o gasto estatal é decisivo no crescimento econômico.
Sobre o debate em separado do JCP em relação ao restante da reforma tributária, o deputado destaca que o ideal é sempre discutir uma reforma ampla olhando todos os aspectos e efeitos, mas é muito difícil aprovar grandes reformas no parlamento — não apenas na área tributária. “É sempre ideal que o governo mande uma discussão completa sobre a reforma da renda, mas não impede que a gente faça os ajustes passo a passo.”
Para tributaristas e representantes de alguns setores da economia, seria necessário debater mudanças no JCP dentro da reforma da renda e com mais tempo de discussão. Segundo Pablo Cesário, presidente executivo da Associação Brasileira das Companhias Abertas (Abrasca), patrocinadora do evento, o que se vê, por enquanto, são discussões pontuais sobre JCP e não estruturais. “É um debate que leva tempo de amadurecimento. Quanto tempo tivemos para discutir a reforma do consumo? 20, 30 anos”, afirma. “O JCP é necessário. Pode melhorar? Claro que pode. Mas pode piorar também”.
Cesário destaca, por exemplo, que o fim do JCP poderia dificultar o acesso de médias e pequenas empresas a crédito. “As 500 empresas da Abrasca acessam o mercado de capitais no dia seguinte, bancos também terão que pegar empréstimos com bancos porque usam JCP”, afirma. Por isso, ele projeta que muitas empresas vão buscar dinheiro ao mesmo tempo em momento de taxa de juros alta e redução de crédito disponível para as empresas.“Isso significa jogar grandes empresas brasileiras com liquidez e garantias para competir com as pequenas”, afirma.
A tributarista Ana Lúcia Marra, sócia de tributos diretos do escritório Machado Associados, lembra que o JCP afeta endividamento, valor de empresas, política de remuneração de sócios, entre diversos aspectos, por isso, não é possível olhar apenas pelo efeito tributário, de arrecadação. Para ela, é necessário que se avaliem todos os impactos para eventuais mudanças no JCP.
“Muito desse problema do JCP está na nossa síndrome de vira-lata, de não acreditar que o Brasil podia inventar alguma coisa boa”, afirma o tributarista Luiz Gustavo Bichara, sócio do Bichara Advogados. Para o advogado, o ideal em 2024 é discutir a tributação da renda como um todo, porque há riscos no fatiamento da discussão de diferentes itens da reforma – como consumo e renda, por exemplo.
O grande incentivo que o JCP criou é que as companhias tenham mais capital próprio e menos de terceiros para financiar seus investimentos e atuação, o que se transforma em menor endividamento das empresas no país, segundo Tiago Reis, presidente do conselho do Grupo Suno. “Quando criamos esse mecanismo, talvez nem tenha sido pensado lá atrás, mas uma das consequências foi ter balanços mais saudáveis e, sobretudo, um sistema financeiro extremamente saudável.”
Ao invés de pensar em um instrumento meramente arrecadatório seria mais interessante pensar em um instrumento de desenvolvimento econômico, segundo o professor da USP Eduardo Flores. “Há uma intrínseca associação entre financiamento e capitalização, gasto público, déficit fiscal e taxa de juros”, afirma. “Não há nada pior do ponto de vista de capitalização de longo prazo do que regras alteradas sem haver um debate mais am-
plo”,diz. Entre as propostas de alteração, está o estrangeiro que não tem a mesma tributação do investidor local, mas ela desconsidera a necessidade de investimento estrangeiro, de acordo com ele. “O Brasil é dependente do investimento estrangeiro. Uma regra diferenciada pode estar afugentando investidores.”
O Brasil é um dos poucos países com tributação corporativa média acima de 30%, de acordo com a tributarista Ana Cláudia Utumi, sócia da Utumi Advogados. Nos países de maior relevância econômica a tributação corporativa está em torno de 20%, diz. Hoje, a média da OCDE é de aproximadamente 21% e a média mundial, de 23%.
De acordo com o advogado e ex-procurador geral da Fazenda Nacional Ricardo Soriano, é importante reforçar que existe, de fato, uma experiência internacional. Na Europa diferentes países trabalham com institutos assemelhados, como Portugal, Bélgica e Turquia. “Nem sempre aumento de arrecadação tem que estar atrelado a aumento de carga tributária”, afirma. Para o advogado, o Brasil já está em uma carga tributária “notável” e há um grande problema de sonegação.
O professor titular de direito financeiro da USP Heleno Torres considera inoportuna a discussão de JCP antes do debate sobre reforma da renda como um todo. “Trata-se de uma discussão de financiamento da empresa”, afirma. A ausência de uniformização sobre JCP é prejudicial, segundo o professor, que indica que os valores pagos como JCP no Brasil a estrangeiros acabam tendo destinos diferentes a depender do país.
Forma de financiamento é cara, mas dedutível
As empresas podem sobreviver alguns períodos sem gerar lucro, mas não sobrevivem sem
gerar caixa. Se elas não tiverem dinheiro em caixa para fazer o pagamento de fornecedores, acionistas e funcionários entrarão em default. É o que dizem os defensores dos juros sobre capital próprio (JCP). O governo federal está propondo mudanças nessa forma de financiamento às empresas usada por 40% das companhias de capital aberto do país, e o setor reage.
Na avaliação do CEO e fundador da plataforma Meu Dividendo, Wendell Finotti, se o governo extinguir esta forma de financiamento das empresas, muitas terão dificuldades de caixa e podem entrar em recuperação judicial. “Qual é o papel do acionista? Ele quer menos tributação da renda e mais do dividendo porque ele precisa preservar a empresa. E neste momento ele vai preferir a tributação da renda pelo JCP do que dos dividendos. Em 2023, está se pagando 30% menos proventos aos investidores do que em 2022”, observa Finotti. Isso devido às incertezas sobre o JCP.
De acordo com suas contas,foram pagos R$ 223 bilhões aos acionistas pelas empresas de capital aberto este ano, sendo 44% de JCP. Em 2022, os pagamentos de proventos aos acionistas foram de R$ 329 bilhões, sendo 28% de JCP.“Em 2002, 47% do total de proventos pagos foram em forma de JCP, porque quando há qualquer possibilidade de problema pela frente a empresa tranca o caixa. E foi assim na pandemia e se repete este ano”,diz. O que se reflete no prazo para este tipo de pagamento,que este ano e em 2020 foi, em média, de 84 dias e, em 2022, de 64 dias.
Ou seja, as empresas de capital aberto estão postergando seus prazos de pagamentos de proventos aos acionistas, e têm usado outros mecanismos de crédito como a emissão de debêntures, de Certificados de Recebíveis do Agronegócios (CRA), de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), entre outros. Mas os especialistas alertam que, além desse mercado ser restrito, a estrutura da emissão tem custo elevado e tem que alocar estes recursos. “Será que é vantajoso para a empresa partir para o crédito por meio das emissões? Se pensar que a remuneração está próximo a CDI mais um prêmio, a gente está falando em 12%, 13% ao ano. Já o JCP paga TJLP, em 6,5%”, observa Karem Jureidini Dias, ex-conselheira da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Ministério da Fazenda. Ela explica, porém, que esta forma de financiamento das empresas é cara, mas é dedutível.
Já para o professor Joelson Sampaio, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), houve avanços no debate: “Tinha proposta de extinção e hoje o governo traz proposta de aprimoramento do instrumento”, afirma