Com rali, ativo de risco fica acima do CDI no ano

Com rali, ativo de risco fica acima do CDI no ano

Saldo de R$ 18 bi de estrangeiros no mês impulsiona ações e Ibovespa sobe 12,5%

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Os ativos brasileiros de maior risco tiraram o atraso do ano em novembro. Com o rali, os índices de bolsa e os de renda fixa mais apimentados desbancaram a liderança do CDI no acumulado de 2023. Mas o que esperar de dezembro e a virada do calendário para 2024? O alívio trazido pela cena internacional vai durar a ponto de prolongar a corrida por aplicações mais voláteis e de maior potencial de retorno?

Depois de alguns alarmes falsos ao longo do ano, a se confirmar que as taxas de juros nos Estados Unidos alcançaram o seu pico e que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) encerrou o seu ciclo de aperto monetário, pode haver fôlego para mais, segundo executivos do mercado de investimentos.

Na bolsa, o capital externo deu o empurrão para o Ibovespa encerrar novembro com valorização de 12,54%, e acumular ganhos de 16,04% em 2023, ante 12,04% do CDI. O estrangeiro trouxe R$ 18 bilhões até o dia 28 para o secundário, o melhor fluxo mensal do ano, com o saldo acumulado subindo a R$ 24,46 bilhões, segundo a B3. Somando-se as negociações do não residente no mercado futuro, a conta já encosta nos R$ 30,8 bilhões, aponta Leonardo Morales, sócio da SVN Gestão. Como o movimento foi muito rápido, ele achou por bem diminuir a exposição em bolsa nos fundos da casa e preservar os bons resultados.

Em agosto, quando mais de R$ 13 bilhões deixaram o mercado acionário local, muitos investidores perguntaram se o estrangeiro tinha mudado de opinião em relação ao Brasil, lembra Fernando Ferreira, estrategista-chefe da XP. “A visão era que não, que ia continuar comprando. Foi um movimento muito tático. Dado que os Treasuries [títulos do Tesouro americano] de dez anos estavam acima de 5% e, em dólares, a bolsa tinha andado bem, ele colocou dinheiro no bolso.”

Em reunião recente com investidores estrangeiros, Ferreira conta que a avaliação é que em emergentes faltam opções. A exposição em China tem sido reduzida há algum tempo e outros mercados considerados bons, como Índia e México estão caros. “O Brasil tem uma combinação interessante porque ainda está barato, tem desconto grande — com um preço/lucro de 8 vezes, ante 11 da média histórica — e já está num ciclo de corte de juros mais adiantado.”

Se o próximo conjunto de dados da economia americana consolidar a visão de que o Fed parou de elevar juros e o próximo passo é cortar, pode ser um momento propício para o risco, diz Marcos Mollica, chefe de gestão das estratégias macro do Opportunity. “Pode ter um alívio maior nos ativos internacionais, bolsas e em emergentes”, afirma. “A gente está com a antena ligada para posicionar o fundo para o lado mais benigno, tem espaço para aumentar se as coisas se confirmarem.”

Esse é um cenário em que o fluxo de capital externo para a bolsa pode ter continuidade. “A alocação dos estrangeiros é muito baixa, e no relativo o Brasil não está tão ruim assim, as alternativas em emergentes diminuíram bastante, com a Rússia [em meio à guerra com a Ucrânia] saindo do radar e a China com problemas sérios de governança”, afirma Mollica. “Dentro dos grandes, o Brasil é uma opção viável.”

Por mais que haja dúvidas no campo fiscal, o gestor acrescenta que, com a inflação caindo dramaticamente, também pode ter um fluxo local para a renda variável, à medida que o Banco Central (BC) tenha condições de aprofundar o corte da Selic. “O juro já andou metade do caminho, o terminal deve ser mais perto de 9% [dos 12,25% atuais]”, afirma Mollica. “Não dá para descartar a hipótese de aceleração a depender da evolução do cenário internacional.”

O empurrão que faltava

Esse pode ser um incentivo para a realocação dos portfólios domésticos, hoje muito voltados para a renda fixa. “Até aqui, quando um amigo me perguntava o que fazer, eu falava põe na renda fixa e não me atormenta”, brinca. “Agora, a realidade começa a se impor. Com os juros mais baixos, o investidor busca alternativas.” Mesmo na gestão profissional, quando as taxas cruzam a barreira abaixo de 1% ao mês, o posicionamento também muda, afirma, acrescentando que a classe dos multimercados é muito flexível e tem agilidade para reagir ao cenário externo e doméstico.

Dentro da XP, a visão é que os ativos de risco, aqui e lá fora, têm um gatilho favorável, pelo menos no curto prazo, diz Ferreira. Com dados econômicos que mostram crescimento, mas uma tendência de desaceleração, e sem preocupações com pressões inflacionárias, abriu-se espaço para colocar nos preços uma queda mais agressiva de juros em 2024. “Os mercados reagiram fortemente a isso.”

Há que se monitorar nos próximos meses se os números da economia americana vão indicar uma recessão, que não veio em 2023. “Caso venha uma desaceleração mais forte, pode ter impacto nos ativos de risco no mundo inteiro e o Brasil não está imune a isso.”

Por ora, o especialista diz preferir bolsa local à americana, e lá fora privilegia a renda fixa. No Brasil, a perspectiva é favorável para ações, num momento em que já há discussões se o BC vai acelerar para 0,75 ponto percentual a redução da Selic.

Ele cita que Caio Megale, economista-chefe da XP, se fia na tese de que o Comitê de Política Monetária (Copom) reduzirá a taxa até 10% e então fará uma pausa para avaliar o ambiente externo. “Mas estamos falando de um ciclo de quase 400 pontos-base [4 pontos percentuais]. Beneficia a bolsa, os fundos imobiliários.” Na renda fixa, Ferreira diz preferir títulos atrelados à inflação e que tem aumentado a exposição em prefixados.

Do macro para o micro

Saindo de cena questões que vinham trazendo incertezas, a exemplo de qual seria o teto para os juros americanos e se as contas fiscais no Brasil ficariam fora de controle, há como ficar otimista para essa virada de ano e 2024, diz Ricardo Almeida, chefe de renda variável da ASA Investments. “Dizem que mercado gosta de volatilidade. Eu não gosto, agora consigo fazer conta”, afirma. “O ano de 2023 foi dominado pelo macro e 2024 pode ser mais olhar para setores e empresas.”

O gestor diz que essa parece ser uma fase em que os riscos são mais mapeáveis. “Não que sejam mil maravilhas, mas tem um arcabouço com uma métrica fiscal mais ou menos respeitável. Vai ser zero [de déficit]? Não, pode ser -0,5%, -0,7% [do PIB], mas não vai ser -1% e tanto. O discurso convergiu com as expectativas”, diz Almeida.

Lá fora, em dois meses, as taxas de juros dos títulos americanos de dez anos saíram de um nível acima de 5% para 4,32%. É um preço que importa porque equivale ao custo de oportunidade, a taxa considerada livre de risco em todos os mercados . “É um dos ativos mais operados do mundo e conhecido pela liquidez”, afirma Almeida. Neste ano, ele cita que ao longo do ano a taxa oscilou de 3,5% a 5,5%. Foi o que machucou muitas carteiras.

Se nada novo aparecer no front local ou externo, o gestor acha que o Copom pode até levar a Selic para um nível inferior ao que está nos preços do mercado futuro, com os contratos de DI para janeiro de 2026 e adiante na casa dos 10%. É uma referência que permite às companhias listadas em bolsa diminuir suas despesas financeiras que rodam com adicional acima do CDI, “sobra mais para o cara de ‘equity’ [ações], estimula o consumo e gera mais resultado para a empresa”.

Na sua carteira, Almeida diz que as maiores posições estão em shopping centers, com mais diversidade do que o varejo puro. Ele diz gostar também dos setores de saúde, de construtoras e consumo, caso de Assaí, Natura, Vivara, Quero Quero e Smart Fit.

Em bolsa, Mollica, do Opportunity, diz que a gestão tem privilegiado teses domésticas e que podem se beneficiar do alívio monetário. No rol estão o setor elétrico e alguns casos de consumo. “A gente está comprado, tem espaço para aumentar o risco e ter paciência porque o cenário não está definido, depende dos dados da semana que vem [nos EUA], de medidas aprovadas no Congresso, mas taticamente estou otimista.”

Nessa fase de transição, um portfólio balanceado, exposto a diversos fatores de risco no longo prazo tende a compensar as oscilações no meio do caminho, diz Renan Rego, gestor de portfólios da G5. Ele diz estar muito construtivo para estratégias ligadas a juros reais e que já vinha com alocação acima do ponto estrutural há um bom tempo. “A gente continua achando que a curva [de juros] tem um prêmio importante”, diz, acrescentando preferir a alternativa a estratégias com taxas prefixadas.

Em bolsa, o posicionamento está no ponto “neutro”. Rego diz estar relativamente otimista com as ações, que os preços são interessantes. “Novembro subiu mais de 10%, houve uma revisão importante de preços, tem potencial de andar mais, mas a porção é menor do portfólio do que em juro real.”

O gestor acrescenta que a alocação em títulos pós-fixados segue interessante. “A gente não vê os juros fechando [caindo] para patamares tão baixos quanto em outros ciclos econômicos, de 2% ou 6% nominais”, afirma. “O carrego no CDI é bom, faz sentido ter alocação, principalmente via crédito privado. E se tiver carteira administrada, tem instrumentos isentos como LCI, LCA [letras de crédito imobiliário e do agronegócio], com retorno ainda mais interessante.” À medida que a queda da Selic, a taxa referencial da economia se consolide, também os “spreads” de crédito tendem a ceder tanto os atrelados ao IPCA quanto ao CDI, completa.

Antes mesmo dos eventos de crédito de Americanas e Light na primeira metade de 2023, Rego diz que a casa já vinha migrando para ativos de melhor qualidade, alocando em títulos bancários. “E ficamos seletivos nisso, e nos maiores bancos do Brasil”, diz. O estresse no secundário abriu oportunidades em créditos de baixo risco que a G5 conseguiu aproveitar. “A gente já viu os ‘spreads’ fecharem [diminuírem], mas quando se olha para a média histórica ainda vê o crédito privado acima da média dos últimos dez anos, torna interessante algumas alocações, mas ainda priorizando os perfis mais defensivos.” Saneamento e transmissão de energia são alguns setores que a gestora privilegia.

Em títulos públicos, a casa ampliou o prazo da carteira nas estratégias ligadas a juros reais, de vencimentos entre 2028 e 2030 para 2032 até 2040, conta Rego, referindo-se a Notas do Tesouro Nacional série B (NTN-B ou Tesouro IPCA+). “A gente alongou o ‘duration’ [prazo médio] pouco acima do IMA-B 5+, quando estressou, a curva bateu quase 6% [na parcela prefixada] e conseguiu comprar perto disso.”

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